Deve-se reduzir ou não a maioridade penal?
A questão está na pauta das discussões, especialmente em função dos
recentes episódios de violência cometidos por jovens, o que nos leva,
quase que naturalmente, a um posicionamento favorável à redução da
maioridade penal. Mas o tema não pode ser visto de modo simplista. É
preciso analisar suas diferentes facetas.
A barbaridade de alguns desses crimes só
pode mesmo gerar indignação da sociedade. Pesquisa do Data Folha,
divulgada em 17 de abril, revela que mais de 90% dos paulistas são
favoráveis a uma mudança da lei penal, levando adolescentes de 16 anos ou
menos para as celas comuns do sistema carcerário, como se essa medida,
isoladamente, fosse resolver o problema. Mas é apenas como um cobertor
curto: quando cobrimos o tronco, descobrimos os pés.
Não podemos esquecer que por trás de um
jovem criminoso há sempre um adulto aliciador, aproveitador, usurpador.
Esse é o verdadeiro criminoso ao qual não podemos fazer vistas grossas.
Nossas crianças e jovens precisam é de proteção e formação para se
tornarem cidadãos. Nossas leis precisam ser mais rigorosas com os
responsáveis pela criminalidade juvenil. Cabe lembrar que, do total de
adolescentes brasileiros, apenas 0,09% cometem infrações, a grande maioria
contra o patrimônio, segundo levantamento da Abrinq. Em compensação, só no
ano passado, mais de 120 mil crianças e adolescentes foram vítimas de maus
tratos e agressões, com 8.600 mortes. Algo está errado, muito errado.
Faz-se necessário, antes de uma tomada de
posição, diferenciar o que significa a redução da maioridade penal e a
responsabilidade penal de menores por seus crimes.
De modo geral, na Europa e na América do
Norte, há uma clara diferença entre as duas terminologias. A partir dos 13
anos e até os 18, os adolescentes podem sofrer sanções penais por seus
atos de delinquência e crimes. Eles já são considerados penalmente
responsáveis por suas ações, visto que nessa faixa etária já possuem
capacidade de discernimento suficiente para saber o que é certo e errado
no convívio social. As penas impostas vão desde medidas socioeducativas a
programas de reclusão, que buscam a sua reeducação para voltar à
sociedade. Jamais a prisão comum junto com adultos.
A redução da maioridade penal é como um cobertor curto: quando cobrimos o tronco, descobrimos os pés
Na Alemanha, Áustria, Inglaterra, Bélgica, ou ainda nos Países Baixos, a maioridade penal se estabelece a partir dos 18 anos. A lei, porém, permite que jovens infratores até 21 anos não sejam julgados nas varas criminais comuns, mas sim por tribunais para infância e da juventude. Conforme o caso, o juiz pode aplicar o direito penal de menores aos jovens entre 18 e 21 anos, caso a personalidade do infrator ou as circunstâncias o justifiquem. Tudo depende da gravidade do crime cometido.
Como podemos ver, embora responsável pelos
seus atos, o adolescente não é julgado como adulto, exceto em crimes mais
graves ou, como os qualificamos no Brasil, como hediondos. É o que
pensamos ser mais justo para com nossos adolescentes. Apenas os casos
graves serão tratados como tal, pois não podemos atenuar os crimes contra
a vida. Ou seja, não é simplesmente reduzir a maioridade penal, mas sim
construir uma lei efetiva para a responsabilidade penal de menores, com as
penas bem determinadas.
Porém, a questão não termina aí. E, podemos
questionar, quais são as razões desse alto índice de violência no Brasil e
de crimes cometidos por menores? A resposta básica é que nossa sociedade
(incluindo a família e os governos) ainda não dá a devida atenção que
nossos menores precisam e merecem.
Para reverter esse quadro, é imprescindível
que o poder público invista mais em políticas voltadas à formação de
nossas crianças e jovens para a cidadania, por via do esporte, da cultura
e principalmente da educação. A ignorância é aliada da violência. Um
adolescente sem oportunidades de lazer, cultura, esportes e educação é
alvo fácil para predadores. São os aliciadores que devem sofrer as mais
severas penas.
A ausência de políticas públicas, de
programas e serviços de atendimento de qualidade, faz com que crianças e
adolescentes que muitas vezes não tiveram famílias e acompanhamento
adequado tenham como referências adultos que oferecem oportunidades de
fácil obtenção de dinheiro, por meio do tráfico e do roubo. Por outro
lado, não podemos esquecer que cabe ao poder público garantir a segurança
e o apoio às vítimas. Uma verdadeira política de segurança não pode só
funcionar na base da coerção. Precisa-se trabalhar pela inclusão.
A redução do índice de violência no
Brasil passa, portanto pela conscientização de toda a sociedade sobre a
importância de lutar por uma educação de qualidade, mas também e,
sobretudo, por um compromisso assumido pelo poder público em garantir a
segurança para todos e investir em soluções duradouras. Só assim que
teremos cidadãos comprometidos com a sociedade e garantiremos um futuro
melhor para os adolescentes e para o Brasil.
Jean Gaspar, mestre em Filosofia pela PUC/SP, é
apresentador do programa Filosofia no Cotidiano (TV
Cantareira) e presidente da Liga do Desporto, entidade
que promove atividades físicas e desportivas como instrumento de educação
e formação da cidadania.
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