Retrospectiva Maristela - Mostra apresenta 15 filmes realizados entre 1951 e 1958

A história do cinema brasileiro contempla, entre as décadas de 1940 e 1950, a existência de vários estúdios criados com a proposta de tratar temas nacionais com o que havia de mais avançado tecnicamente. Foi um período marcado pela atuação de produtoras como a Vera Cruz, Atlântida, Multifilmes, que tiveram temporadas de auge, trabalhando com grandes diretores e atores, e depois conheceram o declínio. É sobre um dos mais importantes estúdios da época a nova mostra de cinema realizada pelo Centro Cultural Banco do Brasil Brasília. RETROSPECTIVA MARISTELA, que acontece de 16 a 28 de agosto, vai exibir filmes realizados na década de 1950 que continuam praticamente inéditos para o grande público. A mostra tem curadoria de Rafael de Luna e vai projetar títulos em película, recuperados especialmente para o evento. Oportunidade única para rever grandes clássicos do cinema nacional.

A Companhia Cinematográfica Maristela fez história no país e na cinematografia nacional. RETROSPECTIVA MARISTELA é uma mostra integral da produção do estúdio, que tem como objetivo rediscutir o papel da produtora no cinema industrial paulista e viabilizar, de forma inédita, a visão completa de todas as produções dessa empresa. No dia 18, um debate reunirá o pesquisador Hernani Heffner, a professora Lucília Neves e o curador Rafael de Luna para falar sobre “A Companhia Cinematográfica Maristela e o panorama cultural brasileiro dos anos 1950” . A entrada é franca.


RETROSPECTIVA MARISTELA oferecerá ao público a redescoberta de comédias, dramas e filmes de ação. Trata-se de um conjunto de 16 filmes praticamente inéditos para as atuais gerações, todos exibidos em película, numa programação variada. Estarão na tela títulos como Meu Destino é Pecar, primeira adaptação para o cinema de uma obra de Nelson Rodrigues (quando ele ainda assinava com o pseudônimo de Suzana Flag), a primeira adaptação do livro Presença de Anita, de Mário Donato, e que depois virou minissérie da TV Globo com Mel Lisboa, e O comprador de fazendas, primeira adaptação de um conto de Monteiro Lobato para o cinema.


O espectador terá, ainda, a oportunidade de ver na telona a única vez em que Procópio Ferreira e Jaime Costa trabalharam juntos num filme (Quem Matou Anabela?) e o violento e emocionante Mãos Sangrentas, baseado num fato real: a rebelião no presídio da Ilha de Anchieta, em São Paulo , com a matança de guardas e a fuga dos presos para o continente. Muito tempo antes de se falar em globalização, este longa-metragem foi dirigido por um cineasta argentino e estrelado por um ator mexicano (o famoso Arturo de Córdova), com Tônia Carrero no papel de uma prostituta.


A HISTÓRIA DO ESTÚDIO MARISTELA


Maristela era o nome de uma fazenda da família Audrá no interior de São Paulo. A partir daí, muitas empresas criadas por eles levavam esse nome, como Transportes Maristela e Cinematográfica Maristela. No caso do estúdio de cinema, foi uma iniciativa do filho caçula, Mário Audrá Junior, que tinha menos de 30 anos e sonhava em ser um produtor de cinema naqueles anos em que o neo-realismo italiano seduzia as platéias em todo o mundo. Trabalho e família se misturaram ainda mais quando Mário Audrá Júnior – ou Marinho, como era chamado – conheceu, se apaixonou e se casou com a célebre bailarina espanhola Ana Esmeralda, que veio a estrelar um dos filmes que ele produziu na Maristela, Quem matou Anabela?.


Numa época em que isso não era comum no Brasil, a Companhia Cinematográfica Maristela realizou várias co-produções com outros países e distribuiu seus filmes para Europa, Ásia e América Latina. Sua visão de mercado focava em gêneros para todos os gostos: comédia, drama, aventura e suspense. As comédias têm censura livre e são estreladas por grandes astros do teatro da época, como Procópio Ferreira e Jaime Costa, tendo participações de estrelas do rádio como o músico Luiz Gonzaga e o célebre sambista paulista Adoniran Barbosa.


Por um tempo o estúdio foi visto como “cópia” da famosa Vera Cruz (produtora de O Cangaceiro, premiado em Cannes), mas era um projeto mais equilibrado, ficando entre o mero entretenimento e o conteúdo social e político, entre o luxuoso e o independente, apresentando, portanto, uma visão mais complexa do cinema e do Brasil dos anos 1950.


ALBERTO CAVALCANTI, GETÚLIO VARGAS E OUTRAS PERSONALIDADES.


Na empresa Maristela o diretor brasileiro Alberto Cavalcanti – que havia alcançado prestígio no cinema francês e inglês – dirigiu seu primeiro filme nacional, a comédia política Simão, o Caolho. Durante um breve tempo, a Maristela esteve sob outra direção (tendo mudado seu nome para Kinofilmes), período no qual Cavalcanti dirigiu a ousada comédia de costumes Mulher de Verdade e o drama social O Canto do Mar, filmado no nordeste e que já abordava o drama da seca e do retirante anos antes do Cinema Novo.


Logo após o suicídio de Getúlio Vargas, a Maristela lançou um documentário feito com imagens de arquivo - quando isso era algo pouco comum - sobre o presidente querido pelo povo. Entretanto, por razões políticas o filme foi boicotado pelos exibidores na época. O documentário será exibido na mostra e é um documento precioso sobre a história política brasileira, apesar de praticamente desconhecido mesmo dos nossos historiadores.


Muitas outras figuras conhecidas passaram pelos estúdios da Maristela, entre eles grandes nomes do teatro como Procópio Ferreira, Jaime Costa, Henriette Morineau, Nydia Lícia e Eugenio Kusnet; atores que teriam longas carreiras no cinema e TV como Ruth de Souza, Lola Brah, Tonia Carrero, Anselmo Duarte, Odete Lara e Carlos Zara; músicos célebres como Adoniran Barbosa e Luiz Gonzaga; vedetes assanhadas como Virgínia Lane; humoristas populares como Walter D’Ávila, Mesquitinha, Chocolate e Pagano Sobrinho; além de celebridades em participações especiais, como o jogador de futebol Leônidas da Silva, o “Diamante Negro”.


PRESERVAÇÃO AUDIOVISUAL


O papel da mostra RETROSPECTIVA MARISTELA é ainda mais valioso ao viabilizar especialmente para o evento a feitura de seis cópias novas de filmes que não são exibidos há vários anos pela ausência de matérias em condições de projeção. Desse modo, a mostra irá exibir em exclusividade cópias novas em 35 mm dos filmes Arara Vermelha, O Cinema Nacional em Marcha, Presença de Anita, Suzana e o Presidente, Vou te contá e Getúlio Vargas, glória e drama de um povo.


A mostra contempla debate, catálogo exclusivo com um texto escrito especialmente para o evento e ilustrado por mais de cinqüenta fotos inéditas (do acervo particular da Maristela) e a exibição de cada filme pelo menos duas vezes. Em Brasília, o debate acontecerá no dia 18, quinta-feira, contando com a presença de Hernani Heffner, pesquisador e conservador-chefe da Cinemateca do MAM/RJ; Lucília Neves, professora da UnB; e Rafael de Luna, curador da mostra. Os três conversarão com a platéia sobre “A Companhia Cinematográfica Maristela e o panorama cultural brasileiro dos anos 1950” .

A entrada é franca.


PROGRAMAÇÃO


Terça, 16/8

17h20 – Susana e o presidente ( exibição em beta)

19h – O canto do mar

20h50 – Arara Vermelha


Quarta, 17/8

19h10 – Meu destino é pecar

20h40 – Simão, o caolho


Quinta, 18/8

17h30 – O comprador de fazendas

19h10 - Cinema Nacional em Marcha + Ana

SESSÃO SEGUIDA DE DEBATE – A COMPANHIA CINEMATOGRÁFICA MARISTELA E O PANORAMA CULTURAL BRASILEIRO NOS ANOS 1950


Sexta, 19/8

17h20 – Casei-me com um xavante

19h – O canto do mar

21h – Quem matou Anabela?


Sábado, 20/8

17h – Simão, o caolho

19h – Susana e o presidente ( exibição em beta)

21h – Presença de Anita


Domingo, 21/8

17h – Vou te contá

19h – Meu destino é pecar

20h30 – A pensão de D. Stela


Terça, 23/8

19h10 – Getúlio, glória e o drama de um povo

21hVou te contá


Quarta, 24/8

16h40 – Arara Vermelha

19h – Mãos Sangrentas ( exibição em beta)


Quinta, 25/8

17h – Mulher de Verdade

19h – O comprador de fazendas


Sexta, 26/8

17h – Mãos Sangrentas ( exibição em beta)

19h – Casei-me com um xavante


Sábado, 27/8

16h30 – O Cinema Nacional em Marcha + Ana

17h20 – A pensão de D. Stela

19h – Quem matou Anabela?


Domingo, 28/8

15h – Getúlio, glória e drama de um povo

16h40 – Mulher de Verdade

18h50 – Presença de Anita


SINOPSES


Ana (Alex Viany, 1955) – 25’

Elenco: Aurélio Teixeira, Miguel Torres, Vanja Orico

Escrito por Jorge Amado, o filme trata da migração de retirantes nordestinos e a exploração a que eles estão sujeitos através de história de Ana, que viaja num pau-de-arara em busca de uma vida melhor. Ana é interpretada por Vanja Orico, que tinha estrelado recentemente o premiado O cangaceiro, e seguiria bem-sucedida carreira como atriz e cantora na Europa, e filmado em locações no próprio sertão nordestino onde, anos depois, Glauber filmaria o clássico Deus e o diabo na Terra do Sol.

Classificação indicativa: 14 anos

Arara vermelha (Tom Payne, 1957) – 110’

Elenco: Anselmo Duarte, Odete Lara, Milton Ribeiro, Ana Maria Nabuco, Aurélio Teixeira, Sérgio Warnowski

Baseado em romance de José Mauro Vasconcelos, é um drama violento e realista em que fugitivos lutam pela posse de uma pedra preciosa. Filmado em locações reais em aldeias indígenas, o longa teve produção muito atribulada, devido às complicações envolvidas pela filmagem em locações completamente inóspitas.

Classificação indicativa: 14 anos


Casei-me com um xavante (Alfredo Palácios, 1957) – 88’

Elenco: Pagano Sobrinho; Maria Vidal, Luely Figueiró, Henrique Martins, Eugênio Kusnet

Homem branco desaparece depois de acidente de avião e se torna cacique de uma tribo de xavantes. Quinze anos depois, é trazido de volta da selva para a cidade. Destaque para a atuação do humorista Pagano Sobrinho no papel de um homem branco que prefere viver com suas várias mulheres xavantes na selva do que voltar para a companhia de sua pouco atraente esposa branca na cidade grande.

Classificação indicativa: Livre


Getúlio, glória e drama de um povo (Mário Audrá Jr., 1956) – 85’

Narração: Randal Juliano

Documentário que utiliza imagens de arquivo e trechos de cinejornais sobre o presidente para contar a trajetória pessoal e política de Getúlio Vargas pouco após o seu trágico suicídio. Desconhecido da maioria dos historiadores, o filme é um valioso documento histórico que revela o fascínio provocado pelo “pai dos pobres” e que esse filme retratou em seu auge.

Classificação indicativa: Livre


Mãos sangrentas (Carlos Hugo Christensen, 1955) – 92’

Elenco: Arturo de Córdova, Sadí Cabral, Carlos Cotrim, Tônia Carrero, Heloisa Helena, Lisete Barros, Gilberto Martinho

Co-produção com Argentina e México, o longa foi dirigido pelo argentino Carlos Hugo Christensen, que realizou outros importantes filmes no país. Apresenta a dramatização de um fato real: a fuga em massa de detentos do presídio da Ilha de Anchieta, ao largo de Ubatuba. O filme provocou grande impacto por seu realismo e violência, sendo exibido no prestigiado Festival de Veneza. Obra-prima esquecida do cinema brasileiro, foi distribuída em vários países europeus.

Classificação indicativa: 18 anos


Meu destino é pecar (Manuel Pelufo, 1951) – 72’

Elenco: Antonieta Morineau, Alexandre Carlos, Ziláh Maria, Rubens de Queiróz, Maria de Lourdes Lebert, Great George

Primeira adaptação para o cinema de uma obra do dramaturgo Nelson Rodrigues (quando ele ainda assinava sob o pseudônimo de Suzana Flag), o filme leva às telas a trama de uma mulher que se casa com um viúvo, sem estar apaixonada por ele, e segue para a fazenda da família do esposo. Lá, percebe que a presença da ex-mulher dele ainda é muito forte. O filme é uma co-produção internacional com o México, sendo dirigido por um diretor mexicano.

Classificação indicativa: 14 anos


Mulher de verdade (dir. Alberto Cavalcanti, 1954) – 107’

Elenco: Inesita Barroso, Colé, Raquel Martins, Carlos Araújo, Dirce Pires, Adoniran Barbosa

A enfermeira Amélia se passa por solteira quando na verdade leva uma vida dupla: é casada com dois homens, um pobre e outro rico. Ironia com a famosa canção de Mário Lago, que dizia “Amélia é que era mulher de verdade”. A protagonista foi interpretada por Inesita Barroso, que recebeu o Prêmio Saci e o Governador do Estado de São Paulo de Melhor Atriz em 1955.

Classificação indicativa: 14 anos


O canto do mar (dir. Alberto Cavalcanti, 1953) – 87’

Elenco: Aurora Duarte, Cacilda Lanuza, Margarida Cardoso, Alfredo de Oliveira, Ruy Saraiva

No litoral nordestino, que acolhe migrantes do sertão à espera de viagem para o Sul, o drama de uma família em desestruturação devido a problemas financeiros e psicológicos motivados pela miséria. Um dos primeiros longas-metragens brasileiros de ficção a tematizar o problema da miséria provocada pela seca, o filme recebeu o Primeiro Prêmio no Festival de Karlovy Vary, em 1955, e o Prêmio de Melhor Filme da Associação Brasileira de Cronistas Cinematográficos, em 1953.

Classificação indicativa: 14 anos


O cinema nacional em marcha (Jacques Deheinzelin, 1951) – 8’

Documentário que retrata uma visita aos estúdios da Cinematográfica Maristela, desvendando para o público os mistérios que envolvem a realização de um filme. São mostrados os equipamentos de fotografia e som, os depósitos de negativos, a produção dos cenários, os sets de filmagens de O comprador de fazendas, os camarins e salas de maquiagens, até os escritórios e a sala de projeção.

Classificação indicativa: livre


O comprador de fazendas (Alberto Pieralisi, 1951) – 90’

Elenco: Procópio Ferreira, Henriette Morineau, Hélio Souto, Margot Bittencourt

Adaptação de um conto de Monteiro Lobato que traz como protagonista o grande astro Procópio Ferreira. Conta a história de um fazendeiro que coloca sua propriedade à venda e acaba hospedando um possível comprador, que se diz milionário. Mas, o homem na verdade é apenas um pintor de paredes. Quando o fazendeiro descobre a verdade e vira motivo de chacota na cidade, acontece uma surpresa. A música da trilha-sonora foi composta pelo rei do baião, Luiz Gonzaga, que a interpreta no filme.

Classificação indicativa: Livre


Pensão de Dona Stela (Alfredo Palácios, Ference Fekete, 1956) – 87’

Elenco: Jaime Costa, Maria Vidal, Liana Duval, Randal Juliano, Adoniran Barbosa, Lola Brah

Uma pensão á beira da falência, habitada por tipos divertidos que nunca pagam suas contas. Uma comédia musical baseada em peça de grande sucesso que se revela uma verdadeira e deliciosa chanchada paulista. Ao invés do samba de compositores cariocas, destacam-se as composições do mestre Adoniran Barbosa, que atua também como ator, interpretando um convicto monarquista.

Classificação indicativa: Livre


Presença de Anita (Rugero Jacobi, 1950) – 97’

Elenco: Antonieta Morineau, Vera Nunes, Orlando Villar, Ana Luz, Guido Lazzarini, Henriette Morineau
Homem casado envolve-se numa relação trágica com uma mulher independente, Anita. Posteriormente, a história parece se repetir com o assédio de sua jovem e bela cunhada, Diana. Estrelado pelas atrizes Antoinette Morineau (filha) e Henriette Morineau (mãe), é um drama psicológico baseado no mesmo livro de Mário Donato que também foi adaptado posteriormente na minissérie da Rede Globo.

Classificação indicativa: 14 anos

0 comments:

Postar um comentário