Há certos aspectos que eu, como cidadão comum, não entendo.
Quando
o governo da época instituíra o imposto sobre os cheques – como ficou
conhecido o CPMF (Contribuição Provisória de Movimentação Financeira) –,
surgiu forte movimento de oposição, a ponto de eu ter sido abordado por
empresários e pessoas da classe média, para assinar pedido visando à
abolição dessa contribuição.
O principal argumento adotado por
eles e por economistas que se julgam verdadeiros gênios da lâmpada –
como parece ser da natureza da maioria deles – era o de que a citada
contribuição consistia num imposto em cascata, o que levava, em
consequência, ao encarecimento ainda maior dos bens de consumo,
sobretudo os da cesta básica.
Pois bem, 15 dias depois de ter sido decretado o seu fim, dirigi-me ao supermercado onde costumava fazer compras e qual não foi a minha surpresa ao constatar que a maioria dos produtos, comprados por mim, tinha subido de preço.
Hoje, vejo situação semelhante em relação à reforma trabalhista proposta pelo governo, sem legitimidade, do Sr. Michel Temer e seguidores. Eles querem flexibilizar tudo e diminuir os custos dos empregadores com encargos trabalhistas. Não vou entrar no mérito dessa questão até porque não me julgo competente para dissertar sobre esse assunto.
Entretanto,
recentemente deixei de ir a um grande supermercado – lugar onde fazia
semanalmente minhas compras – pela falta de operadores de caixa, o que
me obrigava a ficar quase o dobro do tempo gasto para fazer compras,
aguardando na fila para efetuar o pagamento. Sem contar que praticamente
tinham desaparecido as pessoas que podiam me dar informações sobre a
localização de determinado produto.
Também há pouco tempo, fui ao
Banco e, para meu espanto, fiquei a esperar por mais de uma hora para
ser atendido, a despeito de a Lei determinar que o tempo de espera deve
ser de, no máximo, 15 minutos.
Situação análoga ocorreu em outra
ocasião quando dirigi-me à agência do INSS da minha cidade, localizada
num mega prédio, completamente desocupado, enquanto a polícia judiciária
paga aluguel para se manter em determinado local (julgado bairro de
rico). Demorei 30 minutos para resolver o assunto; porém, antes, tive
que aguardar por mais três horas para ser atendido.
Como se não
bastasse, vou ao posto de combustível e, ultimamente, sou obrigado a
ficar esperando o frentista, pelo simples fato de que no lugar de quatro
funcionários para prestar atendimento, o posto só mantém dois
empregados.
Vou à lotérica fazer minha “fé”, como se costuma dizer – e se alguém já teve o cuidado de notar –, na maioria dos dias está com filas, a ponto de desestimular-me a quem sabe continuar a nutrir o sonho de algum dia ficar rico.
Paro em um posto/restaurante localizado na Rodovia Castelo Branco, peço um micro café e uma pequena garrafa de água e me cobram R$10,80. Até aí eu poderia ficar pensando que esse valor é cobrado porque os funcionários ganham muito bem, são submetidos a cursos de treinamento, entre outros aspectos. Qual não é a minha surpresa ao conversar com alguns deles e descobrir que ganham um salário mínimo. Diante disso, só posso pensar que o café foi adubado com ouro ou notas de dólar e de euro e a água é proveniente dos Alpes Suíços.
E os
aeroportos? Caro leitor, engana-se quem acredita, por exemplo, que se
saiu bem com a compra de passagem aérea por intermédio de programa de
milhagem ou mediante alguma promoção. Mesmo que isso tenha ocorrido, se
resolver tomar um café e comer um pão de queijo, tenha certeza de que o
desconto duramente conseguido e festejado por você, foi para o “espaço”.
O preço chega a ser tão indecente que fico sempre me perguntando quem
deveria ir para a cadeia: o garoto que entra em minha residência com o
fito de furtar algum objeto, visando à compra de droga, ou o empresário,
dono do estabelecimento, que vende um café ao preço de um pacote de 500
gramas do melhor “pretinho tupiniquim”.
Muitos empresários
brasileiros deveriam deixar de ser hipócritas e assumir que são
verdadeiros gatunos, preocupados unicamente com a obtenção de lucro.
Tanto é verdade que mesmo com quantidade aquém de funcionários, eles não
investem na sua qualificação. A esse respeito, recentemente fui a um
shopping center de plantas, localizado na capital paulista, e o rapaz de
determinado setor – apesar de muito solícito – foi incapaz de localizar
algumas mudas que lhe pedi. Eu mesmo, depois de ter dado duas voltas no
corredor mostrei-lhe qual a planta, li a placa onde constava a
informação, coloquei-as no carrinho de compras e, novamente, fui
torturado pelo aguardo na fila do caixa para pagá-las.
Diante
disso, penso que um dos problemas a impedir o crescimento brasileiro não
são as leis trabalhistas. Talvez, sem elas, a situação seria pior. Digo
isso porque a minha percepção é a de que a maioria do empresariado
(quero crer, apenas brasileiro) é que só pensa em lucro, a ponto de
preferir tê-lo com a venda de poucas unidades do seu produto e com
margem expressiva (para não dizer, indecorosa) de lucro do que o
contrário.
Curiosamente, presenciei tal aspecto até nas
concessionárias de veículos. O atendimento tem ficado aquém do desejável
e eu mesmo já desisti de comprar três modelos de automóveis por causa
dele. A impressão é a de que as concessionárias estão a fazer um favor
para mim. Quando indagados acerca de eles agirem assim, praticamente em
uníssono me responderam que faltavam vendedores.
Maior balela,
ainda, é o famoso argumento da negociação. Talvez seja eficiente para um
ou outro caso. Para a maioria, é – ao lado da terceirização – o tiro de
misericórdia nos trabalhadores.
Por que disso isso? Se até eu
que sou concursado, regido por estatuto e tenho estabilidade no emprego,
fui punido com suspensão, sem o pagamento de salário por três meses,
mesmo os punidores não tendo seguido minimamente o devido processo legal
e sequer tenham levado em conta o mérito, fico a me perguntar o que não
acontecerá com os meus irmãos brasileiros quando estiverem
completamente desprotegidos, a bel prazer da iniciativa privada.
Escuto aqui e acolá – a ponto de até discutir com alguns empresários – que os funcionários (chamados, hoje, de colaboradores) não querem trabalhar, já ingressam na empresa pensando em como vai processá-la e por aí vai a ladainha. Não vou lhes tirar a razão porque realmente presenciei vários casos desse tipo. Acontece que há uma lei, não escrita, a maneira das leis inglesas baseadas nos costumes, e a dos códigos de convivência presentes nas penitenciárias, que não se deve pegar a exceção por regra. Sem contar que se os funcionários estão a agir dessa forma é porque aprenderam com alguém. Os seus professores foram os próprios empresários, latifundiários, ex-nobres (ou que ainda se julgam como tais) e políticos que instituíram e praticaram essa cultura do levar vantagem em tudo, com o mínimo de esforço.
Diante disso, não é
“flexibilizando”, “reformando” ou “reestruturando as leis trabalhistas”
que se resolverá essa situação. Como aprendi com meus pais e avós, a
melhor escola é o exemplo, o modelo. Assim, que tal os empresários
pagarem seus impostos, não buscarem corromper o Estado, pensar que o
funcionário tem uma família? Que tal pensar que os seus funcionários
necessitam ter um salário que os possibilite comprar um quilo de acém e
algumas latas de cerveja em promoção para fazer o churrasco de domingo
na laje; enquanto seus patrões bebem o seu whisky envelhecido em barris
de carvalho, 16 anos, e passam os seus finais de semana em paraísos
turísticos? Que tal pensar que vez ou outra os seus funcionários desejam
dirigir-se à Praia Grande? Que tal os funcionários terem nutrido o
sonho que, se continuarem trabalhando, conseguirão subir na vida, mesmo
sendo esta ideia falsa, como de que se você trabalhar bastante ficará
rico? É evidente que ficará. Porém, certamente se enriquecerá de
tristeza, dores muscoesqueléticas e, talvez, ao final do dia, “ganhe”
uma bala perdida.
POR ISSO, ESSA REFORMA TRABALHISTA SÓ VISA AJUDAR O EMPRESÁRIO A FICAR MAIS RICO, SEMELHANTE AOS AUTORES DE LIVROS DE AUTOAJUDA, QUE SÓ AJUDAM A SI PRÓPRIOS.
CONSIDERANDO ESSAS
POUCAS REFLEXÕES (MAS NEM POR ISSO COBERTAS DE RAZÃO), A MINHA PROPOSTA É
A DE QUE O GOVERNO REFORME, ANTES DE TUDO, OS EMPRESÁRIOS E A SI
PRÓPRIOS.
Não posso deixar de citar trecho da bela e triste composição de Zé Ramalho, “Admirável Gado Novo”:
Vocês que fazem parte dessa massa
Que passa nos projetos do futuro
É duro tanto ter que caminhar
E dar muito mais do que receber
E ter que demonstrar sua coragem
À margem do que possa parecer
E ver que toda essa engrenagem
Já sente a ferrugem lhe comer
Ê, ô, ô, vida de gado
Povo marcado, ê!
Povo feliz!
[...]
O povo foge da ignorância
Apesar de viver tão perto dela
E sonham com melhores tempos idos
Contemplam essa vida numa cela
Esperam nova possibilidade
De verem esse mundo se acabar
[...]
Dr. Nelson Pedro-Silva é Docente da Unesp/Assis ([email protected]).
==> Foto: Divulgação
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