Samico ficou conhecido por suas
xilogravuras, elaboradas e criadas meticulosamente com, muitas vezes, mais de
100 esboços (alguns deles apresentados nesta exposição), até a impressão final,
chegando a fazer até três Provas do
Artista. A simplicidade e rigor, dedicação e ausência de pressa que
construiu seu reino imagético o levou, a certa altura da carreira, a produzir
apenas uma gravura por ano e, nesse processo, fazia esboços e estudos a lápis
grafiti, matrizes únicas para experimentar a criação.
A paixão e o interesse pela
estética da cultura regional nordestina levou Samico, nos anos 1970, a trocar o
expressionismo pela visualidade tropical ligada ao cordel. Então, figuras do
cotidiano, narrativas locais, lendas,
animais fantásticos, símbolos
religiosos e personagens bíblicos passaram
a se fundir em sua obra para criar alegorias cujos motes são a fantasia e o romanceiro popular nordestino. “Eu
vivia numa época de espaços abertos, habitados por bichos, muitas árvores...
Convivia com esses espaços e com cabras, bois, cavalos, passarinhos, cobras,
sapos... Tudo isso passou a ser minha referência”, comentou Samico em conversa
com a curadora da exposição, Renata Pimentel.
O afeto é o norte da curadoria da exposição, “Do
meu olhar de leitora de Samico, que cresceu testemunhando a criação do universo
dele, acompanhando o processo, vendo ano a ano surgirem suas novas estórias em
desenho, madeira, tinta e o finíssimo papel de arroz”, diz Renata. E também a
precisão de detalhes: “Conhecendo o Samico perfeccionista, que no processo de
se tornar amante íntimo dos materiais que elegia para trabalhar (todos eles,
não só a madeira), ia criando vidas”, completa.
Samico
foi pintor, desenhista, professor e gravador, seu traço preciso, misturando
luzes e texturas, foi revelado logo no começo da carreira - em 1957, 1958 e
1960 quando premiado no XVI Salão de Pintura do Museu do Estado de Pernambuco.
Para aprimorar sua arte, deixou o Recife e estudou xilogravura com Lívio
Abramo, na Escola de Artesanato do Museu de Arte Moderna de São Paulo, e
gravura com Oswaldo Goeldi, na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de
Janeiro. O reconhecimento de seu trabalho
alcançou o Museu de Arte Moderna (MoMa) de Nova York, que tem obras em seu
acervo, e participou duas vezes da Bienal de Veneza.
Era um grande leitor e, como tal, vivia
preenchido de um mundo interior mágico e fértil. Suas referências não são
óbvias, não é apenas pela superfície que se lê sua obra: “O outro lado do rio”,
por exemplo, seria jeito de o nosso Samico contar sua versão d’“A Terceira
margem do rio”, de Guimarães Rosa, o mineiro tão sertanejo e regional quanto
absolutamente universal e que, declaradamente, não acreditava em acasos?”,
exemplifica Renata.
“No último lindo encontro que tive com Samico,
pouco antes de ele ser internado pela última vez, perguntei se ele ficava
satisfeito com esta exposição vir a acontecer, se ele confiava que eu a idealizasse...
Disse-lhe que se ele não quisesse, eu não faria... Magro, debilitado, ele me
deu bênção; também me falou de o quanto era ainda cheio por dentro, o quanto
ainda havia tanta coisa dentro dele. Mesmo após a sua viagem (em sua “Ascensão”
de poeta, louco e artista para o “reino do vai-não-volta”?), em 25 de novembro
de 2013, Samico segue em mim e em todos que conhecem sua obra, porque por ela e
nela se encantam e se deixam povoar. Samico é muito maior que qualquer técnica,
qualquer suporte em que tenha criado; imortalizou a si mesmo nas narrativas que
deixou em seu poético reino de linhas, trançados e cores”, relembra,
emocionada, Renata Pimentel.
SERVIÇO:
CAIXA Cultural Brasília - Galerias Piccola I e
II
Endereço SBS Qd. 4 Lote 3/4, Ed. Anexo à Matriz da CAIXA
Visitação: Até 11 de maio de 2014. Terça-feira a domingo, das
9h às 21h.
Entrada franca
Classificação livre para todos os públicos
Informações 61 3206.9448 ou 9449
Algumas
obras compõem a exposição:
“Homem e cavalo” (Xilogravura, 1958)
“Mulher
e Pássaro” (Xilogravura, 1958)
“Mãe
e filhos” (Xilogravura, 1958)
“Coruja”
(Xilogravura, 1959)
“Três
Mulheres e a Lua” (Xilogravura, 1959)
“O
Rapto do Sol” (Xilogravura, 1960)
“A
Grande Rosa Vermelha” (Xilogravura, 1961)
“João,
Maria e o Pavão azul” (Xilogravura, 1960)
“Francisco
e o Lobo de Mantua” (Xilogravura, 1960)
“Daniel
e o Leão” (Xilogravura, 1961)
“Conversão
de Santo Humberto” (Xilogravura, 1962)
“A
Tentação de Santo Antônio” (Xilogravura, 1962)
“Comedor
de Folhas” (Xilogravura, 1962)
“A
Louca do Jardim” (Xilogravura, 1963)
“Apocalipse”
(Xilogravura, 1964)
“Suzana
no Banho” (Xilogravura, 1966)
“A
chave de ouro do reino do vai-não-volta” (Xilogravura, 1969)
“Recordações
de um malabarista” (Xilogravura, 1976)
“O
outro lado do rio” (Xilogravura, 1980)
“Cabeça”
(Óleo sobre tela, 1981)
“O
Fazedor da Manhã” (Xilogravura, 1982)
“O
Rapto do sol” (Xilogravura, 1984)
“A
Bela e a fera” (Xilogravura, 1996)
“Criação
das Sereias – alegoria barroca” (Xilogravura, 2002)
“Ascensão”
(Xilogravura, 2004)
==> Foto: Divulgação
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