Com jaleco enfeitado e mochila de rodinhas em formato de personagem de
desenho animado, ela anda pelos corredores do Hospital Materno-Infantil
(Hmib) com um sorriso. Bancária aposentada, Maria Marquis, de 61 anos,
deixa visível o prazer que sente trabalhando como voluntária em um
projeto de contadores de histórias em hospitais públicos. Ela dedica
duas horas semanais à atividade e diz que o maior ganho está nos
sorrisos que recebe de volta.
São oito anos nessa corrente e mais
de 30 de trabalho voluntário. "Já tenho vasta experiência de
voluntariado, mas essa realmente é a de que mais gosto. É minha praia:
eu sou apaixonada por criança", confessa.
Maria é uma das
voluntárias da Associação Viva e Deixe Viver, de atuação nacional. O
propósito da organização é estimular a educação e a cultura nos
hospitais por meio da leitura e do brincar. Trazê-la para Brasília, em
2007, foi ideia da psicóloga e servidora da Secretaria de Saúde Adriana
Dias. O trabalhou começou no Hmib e, desde o ano passado, também é feito
no Hospital Regional de Ceilândia.
A iniciativa da psicóloga
veio ao perceber que boa parte dos pareceres médicos que recebia
relatava a não colaboração da criança com o tratamento — o que, para
Adriana, era outra coisa. "Não havia nada para distrair essa criança. A
única coisa que sobrava pra ela era fazer birra." Hoje, Adriana coordena
o grupo de 28 voluntários da associação no Distrito Federal. Segundo a
psicóloga, pesquisa feita pela associação em São Paulo mostrou que a
intervenção do contador de história diminui a sedação e aumenta o
apetite da criança. Maria diz o que vê no dia a dia: "A história
transporta a criança para um mundo mágico, um mundo novo, de fantasia,
onde ela esquece a dor."
A escolha das obras
O armário de livros do projeto
no Hmib conta com mais de 500 títulos, recebidos por meio de doações.
Além disso, cada contador tem o próprio acervo. O pequeno paciente pode
escolher qual história ouvir.
Nesse trabalho, o diagnóstico não
importa, mas sim a vontade de ouvir histórias e o livro desejado. "Nós
já começamos fazendo com que a criança saiba que, na nossa presença, ela
tem o direito de escolha, o que aqui no hospital ela não pode ter, ela
tem que se tratar", explica. O não é sempre respeitado.
O
professor Lourivaldo Rodrigues, de 38 anos, acompanhava a filha de 9
anos no Hmib quando contadores de histórias visitaram a ala em que ela
estava. Foi a primeira vez que ele teve contato com a ação. "Fantástico!
Muito bom! Eu, que trabalho na área de educação também, prezo por
isso." Sobre a relação do projeto com a recuperação da filha, ele
analisa: "Onde tem humor, alegria, divertimento tudo funciona melhor".
A
atendente Eliane Silva do Amaral, de 36 anos, conhecia o trabalho dos
contadores. Acompanhante do filho de 11 anos no Hmib, ela aprova a
iniciativa. "Toda vez que vem o pessoal, ele gosta muito de interagir,
gosta de participar", observa. "Ajuda e muito [no tratamento], porque a
criança que fica aqui dentro às vezes está reclusa, não tem ninguém para
vir, para poder conversar."
Para a diretora do Hospital
Materno-Infantil, Martha Vieira, esse tipo de intervenção é coadjuvante
para a cura. "Diminui a tensão, faz sorrir, faz a criança usar a
capacidade de imaginação para entender que naquele ambiente também
existem histórias", explica. Ela diz que é uma forma de tornar o
hospital menos duro, menos frio e mais amigo – mais familiar.
Histórias de quem conta histórias
Aposentado,
Euler Freitas, de 71 anos, conta histórias há cerca de cinco anos e,
ultimamente, faz esse trabalho no pronto-socorro. Foi Maria Marquis, por
achar a voz do colega forte, que sugeriu esse local de atuação para
ele. "Eu faço uma festa. É uma alegria chegar lá para contar histórias
para as crianças, que estão impacientes, irritadas", comenta. Ao
ouvi-lo, ele afirma que ficam todas atentas, curiosas.
Mayara
Santos, diplomata, e Nayara Kelly Alves, servidora pública — ambas com
28 anos —, são da última turma de formação de contadores, de 2014.
"Minha família não tem mais nenhuma criança. Eu entrei no projeto porque
queria me envolver mais com elas", explica Mayara.
Já Nayara diz
que muitas pessoas questionam como ela consegue estar toda semana no
hospital. No entanto, ela diz que é preciso ter a consciência da mudança
que se pode fazer. "Você tem que estar com energia e conversar com a
criança como se realmente ela não estivesse aqui, porque, às vezes, é
disso que ela precisa. Ela não precisa que você sinta dó, pena."
Treinamento
Para
participar do projeto Viva e Deixe Viver, é preciso ter 18 anos ou
mais, gostar de ler e participar de treinamentos teóricos e práticos com
duração de seis a nove meses. As seleções são informadas no site da
associação. A parte teórica inclui palestras sobre contar histórias, mas
também aborda temas como a morte, o adoecimento e os cuidados
necessários em ambiente hospitalar.
Após passar pelo treinamento,
o voluntário está apto para o trabalho. Os locais e horários da atuação
são determinados pelo hospital, e o trabalho de cada pessoa é feito por
duas horas semanais, em dias e horários escolhidos por ela. Com
frequência, são realizados eventos para troca de experiências entre os
voluntários e para capacitação.
Sobre um caso que ficou marcado
nesses anos de trabalho, Maria Marquis conta que, em um dia de Natal, ao
contar histórias, percebeu que o acompanhante do paciente carregava
alguns livros. Ao elogiar a atitude, ouviu que aquilo começou com ela,
que contou histórias para o menino com apenas 3 meses. Os responsáveis
mantiveram o hábito da leitura em casa. "Ao ouvir isso, eu descobri que,
se eu morrer hoje, minha missão está cumprida. Eu formei um leitor."
Associação Viva e Deixe Viver
Atuação no DF: Hospital Materno-Infantil (Hmib) e Hospital Regional de Ceilândia (HRC)
Coordenadora: Adriana Dias
Doações: Para doar livros ao projeto, entre em contato por e-mail. Para qualquer outro tipo de doação, as informações estão no site.
Samira Pádua, da Agência Brasília
==> Foto: André Borges
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