O Brasil está mais velho. Assistimos nas últimas décadas a uma drástica
mudança no perfil da população brasileira. E isso está acontecendo em
nível mundial. Com a queda nas taxas de natalidade e os avanços
científicos na medicina, a Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que,
por volta de 2025, haverá mais idosos do que crianças no planeta. O
organismo das Nações Unidas considera o período de 1975 a 2025 como a “Era
do Envelhecimento”.
Este acelerado processo de mudança demográfica está repercutindo em
todos os aspectos da vida social, particularmente porque muda a cultura de
valorização prioritária de crianças e jovens.
Nessas circunstâncias em que a população idosa cresce mais do que a
infantil, é imperativo olharmos para esse grupo etário. No Brasil, desde
1999 comemora-se o Dia Nacional do Idoso, estabelecido pela Comissão de
Educação do Senado Federal como momento para refletir a respeito da
situação do idoso no país, seus direitos e dificuldades. Até 2006, a data
era celebrada no dia 27 de setembro, mas como o Estatuto do Idoso foi
criado em 1º de outubro de 2003, foi transferida para esse dia.
Esta semana, portanto, é oportuna para voltarmos nosso olhar para a terceira idade. Afinal, o mundo hoje está pronto para os jovens, porque outros jovens – que hoje estão na velhice – o prepararam para nós. E é para lá que caminhamos, se a vida não for interrompida antecipadamente.
Muito já avançamos no sentido de resgatar o devido respeito. A própria existência de um Estatuto do Idoso já o comprova, bem como a criação de conselhos em nível federal, estadual e municipal. Hoje, em qualquer estabelecimento público há atendimento preferencial aos que têm mais de 60 anos. Mas ainda há muitos direitos previstos no papel que estão longe de tornarem-se realidade. Há demandas específicas e necessidades ainda não atendidas pelas políticas públicas.
Por lei, todos têm direito ao Benefício de Prestação Continuada (BPC),
que garante a qualquer pessoa com mais de 65 anos o direito a uma renda
básica de um salário mínimo. Entretanto, segundo a pesquisa Idosos no
Brasil – Vivências, desafios e expectativas na terceira idade,
realizada pelo Sesc e Fundação Perseu Abramo, apenas 1% dos idosos
declaram receber o benefício. Mesmo que este número tenha sido ampliado
desde a realização da pesquisa, é urgente que sejam adotadas medidas que
aprimorem o acesso ao BPC, de modo a garantir sua universalização,
especialmente à parcela mais pobre da população, para que possam prover o
próprio sustento e participar ativa e dignamente da vida em sociedade.
A sociedade que investe no idoso está construindo os alicerces de seu próprio futuro.
Ainda há muitos mitos e preconceitos a serem vencidos em relação à
velhice. A principal percepção dos jovens refere-se à incapacidade, tanto
pelas limitações funcionais como psicológicas, passando também pelas
desvantagens socioeconômicas e culturais. Vemos então que as políticas
públicas estão falhando no cumprimento de dois tópicos do artigo 3º do
Estatuto do Idoso: a viabilização de formas alternativas de participação,
ocupação e convívio com as demais gerações e o estabelecimento de
mecanismos que favoreçam a divulgação de informações de caráter educativo
sobre os aspectos biopsicossociais de envelhecimento. O poder público
precisa incluir em sua pauta a educação de jovens sobre o envelhecimento,
pois somente por meio da troca de experiências, saberes e expectativas
entre gerações será possível superar o preconceito e a superação,
garantindo os direitos das pessoas mais velhas ao envelhecimento
ativo.
Outra tarefa premente é a divulgação do Estatuto do Idoso entre os
próprios idosos. A pesquisa citada indica que 27% deles nunca ouviram
falar a seu respeito. E é justamente a parcela mais carente da população,
tanto em termos econômicos como escolares – e que mais se beneficiaria de
seus benefícios – que o desconhece.
A violência contra o idoso ainda é alarmante. 36% dos pesquisados
revelaram já ter sofrido violências como ofensas, ironias, humilhações e
menosprezo, tanto no âmbito público como no ambiente familiar. Nossa
sociedade é omissa em relação ao tema.
Na saúde, acessibilidade e educação, a carência também é enorme. Falta
uma política pública de saúde do idoso. Falta um pensar a organização
territorial das cidades para assegurar a inclusão do idoso, assim como dos
portadores de necessidades especiais. Na educação, faltam ações dirigidas
especificamente a essa faixa etária, pois é sabido que o menor nível de
escolaridade reflete nos cuidados com a saúde, na empregabilidade e renda,
na convivência intergeracional. E aí entra especialmente o acesso às novas
tecnologias, cuja falta de domínio amplia ainda mais o fosso, causando
exclusão social.
O descumprimento do Estatuto do Idoso também acontece em seu artigo 20: “O idoso tem direito a educação, cultura, esporte, lazer, diversões, espetáculos, produtos e serviços que respeitem sua peculiar condição de idade.” Na maioria dos municípios brasileiros, as opções são praticamente inexistentes.
O Poder Público pode e deve mudar esse cenário, fortalecendo o
município como local privilegiado para as ações de inclusão e proteção do
idoso. Cabe-lhe também prover recursos para tanto, bem como promover na
sociedade a conscientização das demandas do processo de envelhecimento,
mobilizando a opinião pública. E, sem dúvida, envolver o próprio idoso na
discussão e formulação de políticas públicas, como lhe assegura o
Estatuto.
Nesse Dia Nacional do Idoso, esperamos que nossos governantes
comprometam-se com políticas que contemplem as necessidades e direitos já
previstos em lei. A sociedade que investe no idoso de hoje está
construindo os alicerces de seu próprio futuro, baseado na dignidade,
liberdade e convivência social.
Jean Gaspar, mestre em Filosofia pela PUC/SP, é
apresentador do programa Filosofia no Cotidiano (TV
Cantareira) e presidente da Liga do Desporto, entidade
que promove atividades físicas e desportivas como instrumento de educação
e formação da cidadania.
==> Foto: Divulgação
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