Artigo: Do veneno ao remédio

Conheci aquele jovem quando estudava em Ribeirão Preto - SP, em 1960. Depois, já como professor, ele ficou famoso pelos estudos que fazia com veneno da temida Bothrops jararaca. Só mais tarde fiquei sabendo de suas descobertas com aquelas amostras de veneno colhidas das serpentes que só são encontradas aqui na América do Sul e eram transportadas no fusquinha do professor. A história é interessante.

O laborioso professor de Farmacologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP, Dr. Sérgio Henrique Ferreira (Franca-SP, 1934 – 2016, Rib.Preto-SP), estava interessado nos efeitos daquele veneno no corpo humano. Levou amostras do material biológico para a Inglaterra onde faria estagio em laboratórios de pesquisa e, lá, conseguiu proceder à separação das frações proteicas daquele veneno. Uma das frações separadas mostrou-se efetiva na redução da pressão arterial de mamíferos, testada em camundongos e cobaias. Estava descoberto o princípio biológico (o inibidor do enzima conversor da angiotensina II) que facilitaria o desenvolvimento posterior do medicamento que iria revolucionar o tratamento da hipertensão arterial (captopril e outros vinte derivados).

Conto essa história justamente para enaltecer a persistência e capacidade de superação de cientistas que trabalham a vida inteira na busca incessante de contribuições científicas que ficam marcadas na história das ciências. O caso daquele professor foi um deles.

O Prof. Ferreira estudava uma serpente que só é encontrada aqui na América, descreveu toda a biologia e ação das frações proteicas descobertas a partir do seu veneno levado aos laboratórios estrangeiros; partilhou seu conhecimento com outros pesquisadores; publicou seus dados observados em revistas científicas prestigiadas e... verificou posteriormente que laboratórios de pesquisa outros produziram a molécula sintética que possibilitou transformar sua pesquisa básica em um medicamento de uso mundial. Conta-se que ele ficou feliz... e continuou trabalhando.

O desenvolvimento da nova droga constituiu um marco no tratamento moderno do síndrome hipertensivo e também na insuficiência cardíaca, felizmente, mas o nome do Prof. Ferreira só foi reconhecido décadas depois pelas sociedades científicas internacionais como o pioneiro descobridor do novo princípio biológico que possibilitou a revolucionária descoberta terapêutica moderna anti-hipertensiva.

Nunca recebeu ele compensação monetária nenhuma pelas descobertas científicas que resultaram em bilionárias vantagens comerciais com os produtos medicamentosos decorrentes.

Até recentemente o professor era visto com o mesmo fusquinha... E feliz!

Francisco Habermann é professor da Faculdade de Medicina da Unesp de Botucatu: Contato: fhaber@uol.com.br

==> Foto: Divulgação

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