Caso um espectador externo decida analisar os últimos acontecimentos em
nosso país, talvez a primeira impressão que tenha é a de que o
brasileiro é um julgador: não importam as condicionais ou variáveis que
envolvam os assuntos, por mais delicados que sejam, o brasileiro sempre
parece ter a resposta pronta, na ponta da língua.
Dias atrás, a
menina Maísa foi inserida em uma polêmica com o jovem Dudu Camargo, em
um quadro apresentado por ninguém menos que Silvio Santos. Acreditar que
o mundo das celebridades gira na mesma velocidade que o nosso mundo, de
meros mortais, seria uma ingenuidade. Entretanto, deve-se considerar
que os dois mundos, em tese, seguem as mesmas leis. Maísa, de apenas 15
anos, foi exposta ao ridículo nas sucessivas investidas para “dar bola” a
Dudu. Se saiu bem, mostrou-se madura e colocou os dois, o jovem e o
‘patrão’, em seus devidos lugares. E foi julgada nas redes sociais.
Para
quem não sabe, o Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo 18o
preconiza ser “dever de todos velar pela dignidade da criança e do
adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento,
aterrorizante, vexatório ou constrangedor”, e não abre exceções para
casos em que a busca pela audiência ou por uns pontinhos a mais no Ibope
se faz necessária.
Guy Debord, em “A Sociedade do Espetáculo”
revela que o “espetáculo apresenta-se como algo grandioso, positivo,
indiscutível e inacessível. Sua única mensagem é ‘o que aparece é bom, o
que é bom aparece’”. E o autor continua, ao descrever o espetáculo como
“um sol que não tem poente no império da passividade moderna”. E,
assim, passivos e sem capacidade de discutir, temos aceitado que
situações vexatórias como a de Maísa entrem em nossas casas e façam
parte de nosso cotidiano pequeno, pois o “grandioso” está reservado às
celebridades.
A semana avançou e, quando menos se espera, Fábio
Assunção aparece em todas as timelines, transtornado, dentro de uma
viatura policial. A acusação: desacato. A tragédia humana é triste e,
quando a vítima é uma celebridade, a comoção se torna ainda maior. Não
que o drama ou a dor da celebridade seja maior que a tragédia pessoal de
um anônimo, mas a espetacularização de sua vida e de sua derrocada
torna a trama mais chocante. Tão logo as imagens feitas em Arcoverde, no
sertão do Pernambuco, alcançaram as redes sociais e os portais de
notícias, o brasileiro julgador entrou em ação novamente e já foi logo
sentenciando o ator: viciado, baderneiro, etc. Sim, Fábio Assunção foi
mais uma celebridade condenada pelo tribunal virtual, e possivelmente
pagará por seu crime desdobrando-se em explicações em programas de...
celebridades. Eis o vicioso círculo da virtude midiática.
E, para
encerrar a semana, mais um brasileiro julgador, agora anônimo, entra em
cena, atropelando skatistas em plena luz do dia. Sim, um motorista a
bordo de um Ford Eco Sport invadiu um evento que reunia cerca de 500
skatistas para celebrar o Dia Mundial do Skate e atropelou pelo menos
cinco participantes, fugindo em seguida. O ato me fez lembrar de um
outro atropelamento acontecido em Ribeirão Preto durantes as
manifestações políticas de 2013, quando um manifestante morreu.
Será
que o motorista da Augusta julgou que aqueles “vagabundos” não tinham o
direito de estar ali, no domingo de manhã, celebrando uma paixão ou
estilo de vida? Ou será que apenas avaliou que, por viver no país da
impunidade, pode dar as cartas sem medo? Não cabe a mim julgar, mas
espero, como cidadão, que o Ministério Público se manifeste.
A
sociedade real, a do cotidiano ordinário – e não a do espetáculo – está
cansada de casos assim, catalogados semanalmente, (des)honrosamente
impunes no “país do futuro”.
João Paulo Vani é Presidente da
Academia Brasileira de Escritores, Aluno de doutorado do Programa de
Pós-graduação em Letras da Unesp/SJRio Preto e atualmente pesquisador
visitante na University of Louisville, nos Estados Unidos.
==> Foto: Divulgação
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