A condição do sertanejo e suas dificuldades foram retratadas por
diversos escritores brasileiros, como Guimarães Rosa, Graciliano Ramos e
Euclides da Cunha, autor da célebre frase “o sertanejo é, antes de tudo,
um forte”. É ela o ponto de partida para a discussão sobre a complexa
situação no Nordeste brasileiro, pelos alunos do 9º ano da Escola Santi,
no projeto O Rio Literário e o Rio Geográfico de João Cabral
de Melo Neto, que propõe a leitura de O
rio e Morte e Vida Severina,
textos clássicos do escritor, e uma minuciosa pesquisa geográfica dos
locais citados pelo poeta em O rio, utilizando a ferramenta
Google Earth.
Responsável pelo trabalho, o professor de língua portuguesa Alex Nogueira esclarece que escolha das obras para essa interdisciplinaridade entre português e geografia se deve ao gênero textual e à descrição da paisagem. “O João Cabral é muito imagético e os seus poemas retratam muito bem os ambientes e os leitores imergem nele”, afirma. “E é muito importante para os alunos terem contato com esse gênero e as histórias contadas para se aproximarem da realidade da região.”
Em Morte e Vida Severina, os versos do poeta narram a trajetória de Severino, que engendra uma sofrida empreitada para fugir da seca e chegar ao Recife, tendo como guia o inconstante rio Capibaribe e seus afluentes. O rio, por sua vez, é narrado pelo próprio rio Capibaribe o seu curso desde a nascente até desaguar no Recife.
Como é feita em todas as obras estudadas, há uma preparação dos discentes antes de lerem os poemas. “Trabalhamos a oralidade, léxico, contexto, roteiro com as citações mais famosas do livro para que os estudantes entrem no universo do autor”, explica Nogueira. Como se tratam de poemas para serem lidos em voz alta existe a preparação para a leitura diante da classe trechos dos poemas. “Por ser um auto, é importante que os versos sejam lidos em silêncio e em voz alta para a compreensão das obras.”
Para que o trabalho seja bem realizado, os alunos precisam refletir sobre o percurso do rio Capibaribe de sua nascente no interior até seu deságue no litoral, analisando o entorno de cada localidade citada em associação com a progressão narrativa da obra.
Assim, é proposta às turmas uma atividade que consiste em realizar uma minuciosa pesquisa geográfica dos locais citados pelo poeta em O rio, fazendo com que sejam assimiladas de forma efetiva as várias camadas de significado do texto, com ênfase no contexto de produção da obra.
De acordo com Nogueira, antigamente eram usados mapas para ser feita essa etapa do trabalho. Com os avanços tecnológicos, passou-se a utilizar a ferramenta Google Earth, uma espécie de navegador com o qual você pode visualizar todo o planeta com imagens de satélites, ampliando os pontos que se deseja. “As coisas se encaixaram, porque agora ganhamos mobilidade e é possível fazer o zoom e ver com detalhes das paisagens”, conta Alex Nogueira.
O instrumento, contudo, tem limitações. “As regiões mais urbanizadas possuem fotos de uma qualidade impressionante, o que não ocorre nas mais abertas”, avalia. “É muito nítida essa diferença de tratamento”. Outro ponto desfavorável para a pesquisa é que há muitas localidades homônimas ou que mudaram de nome desde a publicação da obra.
Segundo Alex Nogueira, os alunos fazem uma comparação entre os habitantes do Nordeste e de São Paulo. “Isso ocorre, por exemplo, com Severino e Macabéa, de Clarice Lispector”, ressalva. “Comparam-se as obras e a vida deles”.
O que chama mais a atenção na sala de aula, porém, é a atualidade da situação do sertanejo nordestino, como o êxodo rural e a morte. “Fala-se não só da seca, mas também de Recife e os seus problemas como violência, poluição e o excesso de pessoas que migraram para lá. Chegamos até a falar dos mangues. É a miséria úmida”, diz. “O rio Capibaribe faz um caminho como o do Tietê de São Paulo: ambos morrem dentro do urbano”.
No final do trabalho, os estudantes ainda produzem um vídeo em que leem os poemas para retratar um pouco dessa vida Severina: “de morte de velhice antes dos 30; de emboscada antes dos 20; e de fome um pouco por dia”. Clique aqui para assistir ao vídeo produzido pelos alunos sobre a primeira parte da leitura do poema O rio e aqui para a segunda parte.
==> Foto: Divulgação
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