O jornal Valor Econômico publicou nesta sexta-feira (10.01) o artigo do
sociólogo e diretor do Instituto Análise, Alberto Carlos Almeida. Segue
a íntegra do artigo:
Blatter fala e a caravana vai passando
Tudo indica que o pessimismo em torno da organização da Copa vai bater de frente com o sucesso.
Na primeira semana de janeiro, o presidente da Fifa, Joseph Blatter,
referindo-se às obras de preparação para a Copa do Mundo, afirmou a um
jornal suíço que o Brasil "é o país com mais atrasos desde que estou
na Fifa e foi o que teve mais tempo, sete anos, para se preparar".
Imediatamente, a presidente Dilma Rousseff respondeu, pelo Twitter, que
"os brasileiros começam 2014 confiantes que vão sediar a Copa das Copas.
No Brasil, a Copa estará em casa, pois este é o país do futebol". São
afirmações factualmente verdadeiras. A de Blatter, porém, é a que mais
se distancia do que provavelmente ocorrerá durante a Copa. Ao afirmar
que o Brasil é o país com mais atrasos, o presidente da Fifa indica que a
Copa não terá o sucesso desejado. Esta coluna já vem mostrando há
tempos o equívoco de tal expectativa.
Imagino que o presidente da Fifa não acredita que declarações como a
que fez terão impacto no andamento das obras. Obras de estádios e de
infraestrutura são coisas complexas e, por isso, críticas públicas não
têm o poder de fazê-las caminhar mais rápido. A declaração de Blatter,
se o objetivo for este, não tem utilidade. Por outro lado, se a
finalidade for gerenciar as expectativas dos brasileiros quanto a
eventuais dificuldades durante o torneio, sua declaração também não é
útil. A maioria dos brasileiros já não acredita que a Copa será um
sucesso de organização.
Em pesquisas nacionais feitas pelo Instituto Análise, está sendo
monitorado e acompanhado, mensalmente, o que os brasileiros pensam sobre
a Copa do Mundo. Nada menos do que 72% acreditam que haverá
engarrafamentos em dias de jogos e as cidades-sede vão parar
completamente. Apenas 22% consideram que não haverá engarrafamentos,
porque serão feriados e tudo ocorrerá normalmente. As expectativas
negativas vão além e ocorrem também quando se trata de hospedagem: 50%
dos brasileiros acham que os turistas e visitantes não terão onde ficar,
porque não haverá vagas de hotel suficientes, e uma minoria de 37%
considera que haverá onde ficar, porque os visitantes vão se hospedar na
casa de brasileiros. Quando se trata de deslocamentos aéreos, o
pessimismo é também majoritário: 53% acreditam que não haverá voos
suficientes, porque os aeroportos já estão lotados, e somente 35% acham
que haverá voos suficientes, porque os aeroportos vão funcionar de
madrugada.
Como se vê, não é preciso declarações de Blatter para que a população
brasileira tenha uma expectativa negativa em relação aos aspectos
logísticos da Copa. A imprensa, motivada pelo complexo de vira-latas,
termo de Nelson Rodrigues que imortalizou a falta de autoestima que
temos, já fez um longo e competente trabalho ao plantar tais
expectativas na cabeça dos brasileiros. Essa visão predominantemente
negativa da população não é ruim para o governo. O motivo é simples: não
haverá engarrafamentos em dias de jogos, os turistas terão onde se
hospedar e haverá voos suficientes.
Não há pressão sobre a logística maior do que a provocada pelo
Réveillon e pelo Carnaval. O deslocamento anual causados por ambos os
eventos para cidades que serão sede de jogos, como Rio de Janeiro,
Salvador e Recife, é maior, e sempre será, do que aquele que ocorrerá
durante a Copa do Mundo. Estamos nesse período e não houve nenhuma
notícia sobre engarrafamentos, falta de vagas em hotéis e de lugares em
voos. Pode ser que a imprensa não dê importância a isso e seja
inteiramente enviesada, isto é, problemas logísticos não são noticiados
no Révellion e no Carnaval, mas o serão na Copa do Mundo. Ora, se for
isso mesmo, trata-se realmente de um caso único de complexo de
vira-latas e, acima de tudo, de péssimo jornalismo. Não creio nisso. O
mais provável é que a expectativa negativa dos brasileiros não venha a
ser realizada: os engarrafamentos não serão maiores ou menores em dias
de jogos, e haverá onde se hospedar, assim como voos suficientes.
Igualmente importante é o clima criado pela Copa do Mundo. As estrelas
do noticiário serão Neymar, Messi e Cristiano Ronaldo, dentre outros. O
que a população vai querer ver no noticiário não são coisas negativas,
mas sim os gols mais bonitos e os jogos mais disputados. A televisão
dará mais espaço no noticiário para a chegada das seleções ao Brasil do
que aos voos atrasados. O clima jornalístico e publicitário de uma Copa é
avassalador quando ela é realizada fora do Brasil. Imagine-se agora,
quando será no país do futebol.
Aliás, o Instituto Análise faz mensalmente a seguinte pergunta para a
população brasileira: " A Copa do Mundo de futebol vai acontecer no
Brasil. Isso aumenta ou diminui seu orgulho de ser brasileiro?" Nada
menos do que 70% dizem que aumenta o orgulho de ser brasileiro e somente
14% dizem que diminui. Ou seja, o noticiário e a publicidade
avassaladora atendem a uma visão de mundo amplamente preponderante. Não
faz o menor sentido dar ênfase a eventos negativos em um período de
aumento generalizado do orgulho nacional. Além disso, diante desse amplo
sentimento de orgulho de ser brasileiro motivado pela Copa, a
declaração de Blatter causa enorme rejeição.
Quanto a isso, a Fifa e seus representantes deveriam ter muito cuidado
toda vez que lidam com a opinião pública brasileira. Nada menos do que
48% consideram que o Brasil não deveria aceitar tudo que a Fifa manda
fazer, porque a Copa já está garantida no Brasil e deveríamos fazer uma
Copa de um jeito bem brasileiro. Somente 26% consideram que o Brasil
deve aceitar tudo que a Fifa manda fazer, porque, para sediar a Copa, o
país aceitou as regras da Fifa e assinou um contrato em que aceita essas
regras. Ou seja, se o governo quiser enfrentar as imposições da Fifa,
terá amplo apoio do eleitorado.
Diante disso, é difícil entender qual a motivação da Fifa ao dar
declarações públicas que se confrontam com uma população que se acha
"dona do futebol", que se considera habitante do país do futebol. Seria
bem melhor para a Fifa se reconhecesse o enorme sucesso da venda de
ingressos e a demanda nunca vista desde que Blatter está à frente da
instituição. Seria melhor se reconhecesse que essa enorme demanda por
ingressos é um indicador antecedente de que a demanda será grande por
tudo que se refere à Copa, e isso é muito bom para a Fifa e para seus
parceiros comerciais. A propósito, a bola da Copa, a Brazuca, foi um
item difícil de achar nas compras de Natal. Foi um dos presentes mais
procurados no fim de ano, tanto para crianças e familiares quanto como
brinde de fornecedores para clientes. Será que isso acontece em todos os
países que sediam a Copa ou somente no país do futebol?
Por fim, há as críticas por atraso na construção de estádios, obras que
inspiram sentimentos predominantemente positivos entre a população: 63%
concordam que os estádios da Copa são motivo de orgulho, porque são
muito bons, bonitos e de boa qualidade; proporção praticamente idêntica,
64%, concordam que os estádios da Copa vão trazer investimentos e
desenvolvimento econômico para as regiões e cidades onde estão sendo
construídos; esses mesmos 64% consideram que os estádios vão facilitar a
realização de eventos de entretenimento, assim como de cultos
religiosos. Além disso, 66% acham que os estádios vão atrair jogos de
times de outros Estados e 58% acham que vão ajudar a mudar o público que
vai aos jogos de futebol, atraindo mais famílias, mulheres e crianças.
Realmente, é difícil entender porque a Fifa tanto critica a realização
desta Copa no país do futebol.
Por Alberto Carlos Almeida | Para o Valor - Alberto Carlos Almeida, sociólogo, é diretor do Instituto Análise e autor de "A Cabeça do Brasileiro".
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