Rever a sua história, analisa-la para
entender o passado do nosso Brasil, é também trilhar o caminho do ensino
da verdade, da ética e, sobretudo da preservação da vida para as futuras
gerações. Muita gente como eu, vivenciamos a ditadura vivida por nosso
país. Não cabe aqui ressaltar as diferentes lutas pela conquista da
liberdade e pela construção da democracia.
Assim como no Brasil, existem no mundo
todo, organizações nacionais chamadas de Comissões da verdade que buscam
apurar com mais eficácia e estabelecer a verdade sobre crimes e fatos não
esclarecidos num certo momento da vida de um povo, de uma nação.
A título de exemplo, o caso do Canada, onde
há uma comissão da verdade que visa a apurar e sensibilizar a população
sobre sevícias sofridas durante anos por ex-alunos indígenas em colégios e
pensionatos e suas consequências devastadoras para suas comunidades. Temos
a comissão da verdade no Ruanda que apurou o genocídio ocorrido em 1994
com quase um milhão de mortes, e a da África do Sul sobre a
Apartheid. Essas comissões atuaram como tribunais civis que serviram
para descobrir a verdade e os motivos pelos acontecimentos graves. Outros
países próximos como Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai também tem as
suas comissões da verdade.
No caso do nosso país, caminhos sinuosos e
tortos marcaram a sua trajetória, com violências, torturas, execuções
extrajudiciárias e desaparecimentos forçados. Saber o que aconteceu de
fato, trazer para as vítimas um semblante de paz por descobrir a verdade,
é uma forma de chegar ao perdão. Apesar da anistia geral, a verdade é
essencial, pois ajudará as vítimas diretas a entender os crimes que as
atingiram, facilitará o reconhecimento público dos seus sofrimentos. Para
as famílias das vítimas, esclarecimentos sobre a forma como ocorreram os
crimes, os desaparecimentos, servirão para curar as feridas, e para a
sociedade, detalhes sobre os acontecimentos, em que condições se
produziram as violações, e suas razões para que tais fatos não aconteçam
mais, e permaneçam na memória.
É nesse âmbito que foi criada pelo
Executivo, a Comissão Nacional da Verdade, através da Lei 12528/2011 e
instituída em 16 de maio de 2012. Essa Comissão tem por finalidade apurar
as graves violações de Direitos Humanos ocorridas entre 18 de setembro de
1946 e 5 de outubro de 1988. Para isso, diversos grupos de trabalhos, vão
pesquisando fatos como o golpe de 1964 e os crimes decorrentes, as
doutrinas e ideologias que serviram de base para repressão, a própria
estrutura da repressão, as violações de direitos humanos ocorridos, como é
o caso da morte do jornalista Vladimir Herzog ou do desaparecimento do
deputado Rubens Paiva, as violações contra os índios na luta pela terra, a
guerrilha do Araguaia, as violências sexuais contra mulheres, suas
consequências e impactos, sobretudo aquelas que participaram de forma
ativa em movimentos de resistência. São todos esses fatos da nossa
história que serão apurados e esclarecidos pela Comissão Nacional da
Verdade.
É importante conhecer a verdade e por isso
deve-se apoiar essa comissão para que leve adiante um projeto tão valioso
para o cidadão brasileiro, para nossa história. Não há dúvidas sobre a
obviedade do perdão, por isso existe a anistia, porém é imprescindível que
atores vivos desse passado sombrio do nosso país e o Estado, após apuração
dos fatos, reconheçam os seus crimes e que o Brasil caminhe na
conscientização da consolidação da democracia e das liberdades.
Uma participação efetiva do povo brasileiro
na busca pela verdade poderá trazer relatórios mais contundentes sobre o
nosso passado, visto que essa comissão só terá dois anos para trazer suas
conclusões, lembrando que há mais de uma que ela foi instalada. O prazo é
muito pouco para apurar décadas de violações de direitos humanos, e visto
a falta de conhecimento da população e a pouca divulgação a este efeito, a
certa preocupação o verdadeiro impacto da atuação da comissão e dos seus
relatórios.
Vale acompanhar o trabalho dessa
comissão, e torcer para que os relatórios que vão sendo publicados à
medida que são concluídos, sejam difundidos, incorporados em materiais
didáticos, livros, bibliotecas para a posteridade. Estaremos divulgando a
nossa história e preparando as futuras gerações sobre a importância de
salvaguardar a democracia, as liberdades individuais e coletivas e
valorizar a vida.
Jean Gaspar, mestre em Filosofia pela PUC/SP, é
apresentador do programa Filosofia no Cotidiano (TV
Cantareira) e presidente da Liga do Desporto, entidade
que promove atividades físicas e desportivas como instrumento de educação
e formação da cidadania.
==> Foto: Divulgação
0 comments:
Postar um comentário