Mesmo no auge da forma física e de seu talento ao volante, a temporada de 1993 esteve longe de ser tranquila para Ayrton Senna. Isso porque o tricampeão mundial vivia uma fase de defasagem técnica de sua McLaren em relação às rivais Williams e Benetton. Mesmo assim, Senna havia conquistado vitórias incríveis no começo daquele ano – uma no GP do Brasil, sua segunda em casa, e outra no GP da Europa, quando deu aquela que é conhecida até hoje como a melhor primeira volta de todos os tempos.
Resultado que ele repetiria na sexta etapa, em Monte Carlo, naquele 23
de maio de 1993. De novo em grande estilo, com quase um minuto de
vantagem para o segundo colocado. A primeira posição conquistada há duas
décadas deu a Senna o recorde de vitórias nas ruas do Principado e um
apelido carinhoso dos fãs: “Rei de Mônaco”.
- Mônaco sempre foi meu território. Desde a minha primeira temporada de
Fórmula 1, com meu primeiro pódio naquela chuva tremenda – admitiu o
brasileiro em entrevista à TV Globo, no dia seguinte à prova.
De fato, os desempenhos de Senna no traçado montado nas ruas estreitas e
desafiadoras de Mônaco sempre despertaram olhares de admiração dos
espectadores e muito respeito dos adversários. O segundo lugar no
asfalto encharcado em 1984, quando só não venceu em sua quinta
participação na F-1 porque a corrida foi encerrada antes do previsto,
foi seguido por uma sequência incrível nos nove anos seguintes: cinco
pole positions (em 1985 e de 1988 a 1991), 1.404 km na liderança (o
equivalente a 422 voltas) e nada menos que seis vitórias (em 1987 e de
1989 a 1993).
Recorde e motivo de orgulho para a família Hill
O que ninguém imaginava quando a largada para a prova de 1993 foi
autorizada é que aquela seria a última vez que Ayrton correria em
Mônaco, já que um acidente fatal no GP de San Marino do ano seguinte
encerraria prematuramente sua trajetória. Mas quis o destino que Senna
se despedisse de Monte Carlo com um primeiro lugar, mesmo largando da
terceira posição. Ajudado por uma queima de largada do pole Alain Prost,
que teve que pagar uma punição nos boxes e ainda deixou morrer o motor
de sua Williams, levando uma volta do brasileiro, e por uma quebra na
Benetton de Michael Schumacher, que abandonou na 33ª volta, Senna fez o
que sabia fazer de melhor naqueles 3.328 metros de asfalto. Acelerou com
confiança, vencendo a prova com mais de 52 segundos à frente de Damon
Hill, companheiro de Prost na Williams.
Ironicamente, a sexta vez que o brasileiro estourou a champanhe ao
lado da família real monegasca marcou também a quebra de um recorde que
perdurou por 24 anos, e que havia sido estabelecido pelo pai de Damon.
Em 1969, o britânico Graham Hill havia se tornado o “Mister Mônaco” com a
quinta vitória naquela pista. Não que o bicampeão mundial – que morreu
em 1975 em um acidente aéreo – tenha perdido seu apelido quando Senna
venceu pela sexta vez. Coube ao brasileiro inaugurar um novo patamar
entre os grandes vencedores de Monte Carlo, tornando-se “Rei” no
Principado. No pódio, o britânico se dirigiu ao vencedor com uma frase
emblemática:
- Parabéns, “Rei de Mônaco”. Se estivesse vivo, meu pai estaria
orgulhoso, e certamente viria cumprimentá-lo – disse Damon, que no ano
seguinte se tornaria o último companheiro de equipe da vida de Senna.
Menos de 24 horas após a vitória histórica, Senna atendeu um pedido da
TV Globo e deu uma volta em um carro conversível pelo traçado, já aberto
ao trânsito de carros de passeio. E chamou a atenção para um ponto da
pista, em especial. Segundo o tricampeão, a curva que antecede o túnel
foi uma espécie de divisor de águas em sua carreira. Cinco anos antes,
ele liderava com muita folga (cerca de 55 segundos de vantagem para o
então companheiro de McLaren, Alain Prost) quando perdeu a concentração e
passou reto, acabando com sua prova. Segundo biografias do piloto, foi a
partir deste episódio que ele aprofundou sua religiosidade, rumando
também para seu primeiro título mundial no fim daquela temporada.
- Essa curva é especial, marcou minha carreira. Liderando
tranquilamente o Grande Prêmio em 1988, eu perdi o controle do carro no
final e bati no guard-rail do lado de fora. Esse é um lugar que eu nunca
mais esqueci. Todas as vezes que eu passo aqui, eu me lembro desse
erro, desse guard-rail, que mudou muito a minha vida dali para frente.
Ao mesmo tempo em que me custou uma vitória, ele me deu outras cinco –
avaliou Senna.
Apesar das vitórias maiúsculas naquela temporada – seriam mais duas até
o fim do ano, contando Japão e Austrália –, Senna terminou 1993 como o
vice-campeão. Um resultado positivo para uma equipe que tinha apenas o
terceiro melhor equipamento do grid. Mas nem um pouco surpreendente para
aqueles que sabiam da capacidade do brasileiro em extrair todo o
potencial de um carro de corrida. Se não deu para impedir o tetra de
Prost no ano da despedida do francês, quando a campeã Williams faturou
dez provas em 16 GPs, Senna sabia que vivia um momento especial de sua
carreira. A avaliação feita pelo brasileiro após aquele GP de Mônaco não
deixava dúvidas a respeito disso.
- Acho que eu estou guiando melhor do que nunca. Isso logicamente me dá
uma paz, de eu ter crescido mais ainda nesse tempo todo. E ter evoluído
é importantíssimo para manter minha motivação nas competições – disse
Senna.
==> Fonte: Globoesporte
==> Foto: Getty Images
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