Com cenário singular, Rocinha entra com força no calendário de corridas

Rostos cansados, respiração ofegante e muita comemoração na hora da chegada. A corrida “Rocinha de Braços Abertos” levou mais de duas mil pessoas à maior comunidade da América Latina para provas na distância de 5 e 10km em um belo dia de sol. O ineditismo do percurso e o desconhecimento do mesmo por grande parte dos corredores, inclusive pelos próprios moradores, deram um toque a mais de aventura à corrida. A Rocinha situa-se no bairro de São Conrado, na parte nobre da cidade do Rio de Janeiro, e suas ladeiras, vielas, escadarias e becos fizeram com que a competição já fosse considerada a mais difícil de todas corridas realizadas na cidade.

Não está acreditando? Treinadores de corrida que participaram da prova foram unânimes ao relatar as dificuldades do percurso. O professor Manuel Lago, da M L Mix Run, acostumado a provas de montanha foi categórico ao colocar a prova no topo das mais desafiantes da cidade. Ele chegou a assistir a um vídeo com imagens do caminho que iria enfrentar ao longo dos 10km, mas disse que, mesmo assim, elas não deram a exata dimensão da pedreira, ou, melhor, das temíveis ladeiras que ele iria enfrentar. O ponto mais íngreme da prova é na subida do Laboriaux.

- Como meu forte é descida, eu segurei na subida para poder descer forte. A prova é muito difícil. Alguns alunos que liberei para os 10km vão me matar – disse Manuel, entre risos.

Logo após a competição, o treinador escreveu um relato. Manuel elogiou o altíssimo nível da prova e o fato de a competição trazer mistura de terrenos e obstáculos variados faz com que os corredores saiam do "marasmo do asfalto", segundo ele, que domina as corridas na cidade. O treinador aproveita para fazer algumas considerações, que poderiam fazer da prova uma competição ainda mais atrativa. Um dos apontamentos é com relação à largada, já que todos atletas saíram ao mesmo tempo.

- A largada da prova de 5km deveria acontecer uns 20 a 30 minutos antes da largada da prova de 10km - disse o treinador, já que os atletas que enfrentavam o percurso mais longo acabaram muitas vezes "encaixotados", isto é, sem possibilidade de ultrapassar os corredores de 5km.

Em uma prova com diversos trechos estreitos, corredores mais acelerados acabaram tendo que dimuir o ritmo. Outra sugestão do treinador é a largada em "currais", em que cada corredor começa a prova no espaço condizente com o tempo em que costuma fazer por quilômetro. Segundo ele, em provas internacionais isso já acontece com frequência e ajuda para que os mais lentos não sejam "atropelados" pelos corredores mais rápidos e estes não tenham seu desempenho prejudicado.

- De resto, é parabenizar a organização pela escolha do percurso, pela vontade de fazer e de realizar o evento e para a comunidade da Rocinha, que se comportou de maneira digna e incentivando não só os moradores-corredores como também os demais ateltas - disse Manuel.

Bernardo Tillman é treinador da equipe Tribus Adventure e tem o costume de participar de provas bem longe do asfalto.

- Eu sou viciado em aventura e a gente poder fazer uma aventura dentro da nossa cidade, com vielas, subidas, descidas, trilhas e asfalto, tudo ao mesmo tempo, não tem preço – contou ele.

Gustavo Luz Távora, técnico da G-Luz Top Team, conhecia o percurso. Ele veio três semanas antes da prova fazer o reconhecimento do local. E era só elogios. De acordo com o professor de educação física, o percurso nivelou os atletas por cima. Para Gustavo, a corrida foi apenas o primeiro passo do projeto. Ele será o técnico responsável pelos dois primeiros colocados da comunidade na prova dos 10km.

- Um dos nossos papeis como educadores físicos é justamente esse: trazer informação a pessoas que às vezes não têm possibilidades financeiras. Então, nós vamos acolher esses vencedores como irmãos de treinamento e, quem sabe, eles despontam em outras provas – explicou Gustavo.

O grande vencedor da competição dos 5km e corredor profissional foi Cosme Ancelmo de Souza. Sempre mantendo a dianteira, o atleta enfrentou as ladeiras e os outros obstáculos do percurso com muita velocidade e determinação. Ele não conhecia a comunidade e disse que ficou muito satisfeito por poder participar do evento. Além de vir até a Rocinha e alcançar seu objetivo, a vitória, Cosme estava feliz com os novos ares na favela.

- Eu fiz a festa com a comunidade. Eles merecem mais que nós, profissionais, já que estão saindo de um momento difícil e conquistando liberdade – comemorou o campeão.

osme se refere ao processo de pacificação na Rocinha, que ocorreu ano passado. Durante muitos anos, a Rocinha foi dominada por bandidos e, agora, após a expulsão e a prisão de alguns traficantes locais a favela pode, de fato, abrir seus braços para todos que queiram conhecê-la. A Rocinha ainda vive um policiamento constante e há muitos projetos para revitalização da região. A corrida foi um dos primeiros grandes eventos por lá. E a julgar pela felicidade dos corredores de dentro e de fora da comunidade, gratos por poderem dar suas passadas pelas ruas da Rocinha, a integração morro e asfalto já deu sua largada.

==> Fonte: Globoesporte

==> Foto: Luisa Prochnik / Globoesporte

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