No último dia 20 foi comemorado o Dia Mundial de Combate ao Bullying,
data instituída pela Unesco para chamar atenção ao fato de que um a cada
três adolescentes entre 13 e 15 anos é vítima de agressões físicas ou
verbais, regularmente, por seus colegas de escola. A data, porém, passou
em branco no colégio Goyases, em Goiânia (GO), quando um aluno de 14
anos disparou contra seus colegas, resultando em duas mortes e quatro
feridos.
Para tentar entender o que estamos fazendo de errado na formação de
crianças e adolescentes, conversamos com Luciene Regina Tognetta,
professora do departamento de Psicologia da Educação da Unesp e
coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (GEPEM).
Pelo que você acompanhou, somente o bullying explica o caso?
Todas
as características apontam para isso. O bullying é um fenômeno complexo
e multicausal, com características próprias, que aparecem nesse caso. O
autor da violência tinha pensamentos suicidas, tinha admiração por atos
de violência, era excluído, não participava de grupos, e era rechaçado
por colegas que tinham a intenção de diminuí-lo ou fazer com que
desaparecesse daquele contexto. Era considerado diferente, então não
lhes cabia.
Foi revelada também admiração pelo nazismo e o massacre de Columbine. Essa cultura de violência também contribui para que essas coisas aconteçam?
Não dá para deixar de
estabelecer uma relação com aquilo que é valor para a pessoa. Quando eu
sinto desvalor, procuro me associar com aqueles que são meus iguais. Ele
não teve tempo de se matar, mas é o que costuma acontecer nesses casos.
O suicídio tem conteúdo psicológico muito forte. Muitos adolescentes
têm uma ideia romântica da morte. Do heroísmo daquele que tem o poder. A
arma é um sinônimo de poder. Faz com que eu me sinta melhor com o grupo
social que me despreza.
Qual o papel dos pais nesse contexto?
Não
estou dizendo que eles eram de um jeito ou de outro, mas o estilo de
educação parental tem uma correlação com o personagem que eu assumo
nessa relação de convivência. Vítimas de bullying têm muitas vezes pais
autoritários que não permitem que o sujeito se veja como valor. Ele está
sempre tentando se superar para agradar aos pais. Também podem ser
filhos de pais negligentes, assim como os autores de bullying. Quando
não impõem limites, a criança não sabe até onde pode ir. Não tem os
valores ligados à sua identidade. Vai acometer os outros a esse tipo de
situação, pois não tem um juízo de valor.
O que mais contribui para a ocorrência desses episódios?
A
família não é a única a contribuir na construção de identidade. Depende
muito da capacidade de resiliência e assertividade do sujeito, que é a
capacidade de resolver problemas sem estabelecer uma relação de
submissão nem usar da violência. Isso é algo que deveria ser ensinado na
escola, assim como se ensina português, geografia, matemática. E não é
de um dia para o outro ou só com uma campanha.
As escolas têm responsabilidade?
Estamos
em um país que há apenas 17 anos está fazendo campanhas de
conscientização, mas não tem políticas públicas especializadas naquilo
que a própria lei determina (o artigo 5º da lei 13.185 obriga escolas a
adotarem medidas de prevenção e combate ao bullying), que é a formação
de professores. Não temos uma política pública voltada para aqueles que
vão atuar diretamente com a formação moral desses meninos. A escola não
pode se esquivar disso.
Qual o caminho então?
A
escola tem responsabilidade na prevenção de problemas de convivência. É
responsável pela formação desses meninos, e convivência é um tema tão
importante quanto matemática, português, ciências. O professor é um
profissional em desenvolvimento humano e precisa reconhecer as
características de seu objeto, que é o aluno. Temos que lembrar que o
bullying é uma questão complexa e não vamos conseguir mudança com planos
de atuação específicas, somente quando os problemas acontecem, até
porque não dá para trazer de volta as vidas que foram perdidas.
Existem exemplos de ações eficazes?
Com
o GEPEM (grupo de pesquisadores que desenvolve estudos sobre bullying,
desde sua natureza psicológica até as implicações que esse problema traz
ao cotidiano da escola) fazemos um trabalho com equipes de ajuda. São
estratégias reiteradas pela literatura, ou seja, fruto da pesquisa
científica, que atua na prevenção do bullying nas escolas. É o peer suport,
ou suporte entre pares, que está sendo implantado em 11 escolas do
Brasil. (Quem quiser saber mais sobre a iniciativa, pode acessar o site www.somoscontraobullying.org)
Como o Brasil pode evoluir no combate à esse tipo de violência?
Não
temos pesquisas que abordam as características desses personagens, suas
questões psicológicas. A gente precisa de pesquisas de diagnóstico, mas
falta financiamento. Falta pesquisas em educação. O trabalho é de longo
prazo e temos que buscar caminhos. O dia de combate é bonito, mas não
tem resultados.
==> Foto: Divulgação
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