Artigo: Segurança no trabalho dialoga com Segurança do paciente

Em sua recente passagem pelo Brasil o pesquisador francês René Amalberti, fez palestras e lançou livro nos estados do Rio do Janeiro, Minas Gerais e São Paulo.

Em São Paulo, suas participações ocorreram a convite do Fórum Acidentes do Trabalho, uma iniciativa organizada por professores do Departamento de Saúde Pública da Faculdade de Medicina de Botucatu, UNESP e do Depto de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da USP. Nos dias 4 e 5 de maio o pesquisador francês fez palestras e lançou livros intitulados “Gestão da Segurança. Teorias e práticas sobre decisões e soluções de compromisso necessárias” e “Cuidado de Saúde mais Seguro” editados, respectivamente, pelo FórumAT e pela Rede PROQUALIS, Fiocruz, Rio de Janeiro.

Na primeira obra o autor apresenta a segurança como associada ao paradoxo de só ser convocada depois que os riscos são assumidos e defende três estratégias para a prevenção: a) compreender e melhorar a gestão individual dos riscos nos postos de trabalho (a “condução” dos sistemas de riscos); b) melhorar a gestão sistêmica dos riscos nas empresas; e c) ajudar na governança dos sistemas de riscos com um modelo integrado de gestão dos compromissos de segurança. De modo resumido, é possível dizer que para ele a prevenção ideal exige atuação técnica, social e política em níveis micro, meso e macro.

Para os interessados na prevenção de acidentes é importante destacar que os trabalhos de Amalberti vem sendo desenvolvidos na continuidade da ideia de acidente organizacional elaborada por James Reason e em especial de crítica à chamada abordagem tradicional de acidentes que explica esses fenômenos como produtos de erros humanos alimentando práticas de atribuição de culpa às vítimas.

Seu trabalho ajuda a entender o anacronismo e a fragilidade técnica das ideias de Heinrich, que, nos anos 30 do século (e milênio) passado, usou as expressões atos inseguros e condições inseguras para descrever o que seriam as causas de acidentes. Para os seguidores de Heinrich a maioria dos acidentes teria origens em comportamentos errados, entendidos como produtos de escolhas livres, racionais e adotadas em contextos em que seria possível agir de modo seguro. O ser humano é visto como o elo fraco da corrente da segurança ensejando o mito de que a solução estaria na sua substituição.

Para Amalberti a importância dada aos erros dos operadores é excessiva, explica menos do que parece e eles participam muito mais da construção da segurança do que da insegurança. Nos sistemas sócio-técnicos modernos a produção se dá às custas de escolhas que não são as ideiais e que comportam riscos. Os trabalhadores, individual e coletivamente, desenvolvem capacidades de vigiar-se em seus raciocínios e nas ações. Merecem destaque as competências usadas na detecção e recuperação de erros.

A segurança total é entendida como a resiliência dos sistemas apoiada em dois pilares. O primeiro, das práticas de adesão às regras, normas e procedimentos criados por antecipação para o controle de perigos e riscos conhecidos. O segundo, englobando estratégias e escolhas do como lidar com variabilidades e imprevistos para os quais não existem regras guias da ação. São práticas apoiadas na expertise dos operadores, na flexibilidade das organizações que se mostram capazes de aprender no seu cotidiano.

Atualmente, no Brasil, um dos desafios da prevenção está na resistência daqueles que se apegam exclusivamente ao “primeiro pilar”. Na rigidez com que se apegam aos formalismos e se recusam a reconhecer a importância crescente da segurança na ação. A contribuição de Amalberti ajuda a reconhecer que os sistemas sócio técnicos atuais só não tem mais acidentes exatamente porque os trabalhadores estão o tempo todo acompanhando e avaliando o desenvolvimento das atividades, detectando perturbações, diagnosticando aquelas que representam ameaças de acidentes e perdas e mobilizando ações de adaptação e correção que permitem a retomada do trabalho. Essas adaptações e correções se passam como não acidentes e por isso mesmo tendem a permanecer invisíveis. Se fracassam e a situação evolui para qualquer desfecho indesejado ganhará destaque e visibilidade.

Os avanços dessa forma de pensar a gestão de segurança em diferentes indústrias tem servido de fonte de aprendizagem para serviços de saúde em especial no desenho de estratégias de prevenção de eventos que afetem a saúde de usuários atendidos em hospitais e, de modo crescente, na atenção primária de saúde. Em palestra sobre o tema dos Cuidados de saúde mais seguros Amalberti destacou a heterogeneidade dos níveis de cuidados oferecidos em diferentes serviços de saúde. No limite temos leque de situações que vai da pior situação possível, ou seja, aquela em que os danos existentes superam todos os benefícios obtidos exigindo intervenções destinadas à redução desses danos, ao outro extremo, em que se tem desempenhos ótimos na adesão a padrões de qualidade do serviço e em que as intervenções possíveis visariam a otimização dos cuidados. Uma apresentação que deve servir de estímulo a quem atua em serviços de saúde. Afinal, qual o nível de cuidados atual aí onde você trabalha?

Ildeberto Muniz de Almeida é professor do Departamento de Saúde Pública da Faculdade de Medicina da Unesp de Botucatu.

==> Foto: Divulgação

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