Cientistas encontram fósseis mais antigos da América do Sul

Centenas de estruturas em forma de disco achadas em rochas da Argentina são os mais antigos indícios da evolução da vida complexa na América do Sul.

Com idade entre 570 milhões e 560 milhões de anos, os pequenos discos ainda são um mistério quase completo, mas o certo é que pertenciam a criaturas multicelulares, ou seja, cujo organismo era construído pelo trabalho colaborativo de muitas células, como o nosso.

"Por enquanto não podemos dizer nada [sobre o parentesco deles com os seres vivos atuais], estamos trabalhando nisso. Podem ter afinidades tanto com animais quanto com vegetais", disse à Folha a pesquisadora María Julia Arrouy, do Centro de Investigações Geológicas de La Plata, na Argentina.

Junto com colegas argentinos e brasileiros, María Julia assina um estudo sobre o tema na revista especializada "Scientific Reports".

Fósseis da época são notórios por sua capacidade de deixar os paleontólogos confusos. Coletivamente conhecidos como a biota de Ediacara. tais criaturas costumam ter forma simples e enigmática –além dos discos, há estruturas tubulares, enquanto outras lembram talos ou folhas.

Do lado brasileiro da fronteira também existem fósseis ediacaranos, achados em regiões como o Mato Grosso do Sul, por exemplo, mas eles possuem um corpo calcário e relativamente duro, enquanto os novos achados parecem ter possuído corpo mole.

Os discos identificados deixam claro que estamos falando de criaturas diminutas. Os maiores não passam de 14 cm de diâmetro; alguns têm só poucos milímetros, e a maioria mede entre 1 cm e 2,5 cm.

Curiosamente, há uma conexão entre tamanho dos discos e detalhes de sua estrutura, o que talvez indique os passos do desenvolvimento das antigas criaturas.

Enquanto os menorzinhos têm superfície lisa, os maiores apresentam "dobraduras" e raios que se estendem do centro para as bordas, além de uma marca característica no centro. Em alguns dos espécimes, parece que desse ponto no centro está brotando um começo de "caule".

Esses detalhes levaram os cientistas a propor que as criaturas pertenciam ao grupo das chamadas Aspidella, já encontrados em outros registros da biota de Ediacara.

"As Aspidella são fósseis enigmáticos, de distribuição global. A associação delas com outros fósseis, representados por estruturas frondosas e na forma de talos, levaram os pesquisadores a interpretarem-nas como estruturas de fixação de organismos", explica Marcello Simões, da da Unesp de Botucatu, também autor do estudo.

O bicho inteiro, portanto (se é que era um animal mesmo), lembraria vagamente uma folha ou uma pena fincada numa base redonda no leito marinho –no caso dos achados da Argentina, numa área rasa, próxima da praia, que poderia ficar temporariamente descoberta dependendo da maré.

A criatura usaria sua fronde ou folha para filtrar nutrientes da água do mar. Segundo María Julia, a luz solar talvez fosse importante para a sobrevivência de tais criaturas.

"Ocorre que, durante a vida do organismo ou mesmo após sua morte, as diferentes partes anatômicas, como o disco basal, o 'talo', a 'fronde', poderiam se desconectar, de forma que nem sempre é comum encontrar todas as partes ainda em conexão orgânica", afirma Simões.

SUMIÇO
Quando comparados com os grandes grupos de seres vivos complexos atuais, os Aspidella são considerados mais próximos dos animais –ou talvez dos fungos, como os cogumelos modernos.

"As formas com frondes não parecem ter sobrevivido até o intervalo de tempo seguinte", diz Fernanda Quaglio, da Universidade Federal de Uberlândia (MG), outra coautora da pesquisa.

Essa fase da história do planeta é o Cambriano, que começa há 541 milhões de anos e se caracteriza pela primeira grande explosão de diversidade dos animais, com a chegada dos ancestrais de insetos e vertebrados.

"Uma hipótese é que, com o surgimento desses novos organismos, a dinâmica da coluna d'água mudou. Antes, as águas eram riquíssimas em nutrientes", explica Fernanda. Com menos comida para absorver ou filtrar por causa da presença dos concorrentes, os misteriosos "bichos-caules" teriam perecido.

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Os autores do artigo
Centro de Investigaciones Geológicas – CONICET – FCNyM (UNLP)
María Julia Arrouy, Daniel G. Poiré & Lucía E. Gómez Peral
Departamento de Geologia Aplicada, Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Unesp, Rio Claro, SP
Lucas V. Warren, Fernanda Quaglio & Milena Boselli Rosa
Curso de Geologia, Instituto de Geografia, Universidade Federal de Uberlândia
Fernanda Quaglio
Departamento de Zoologia, Instituto de Biociências, Unesp, Botucatu, SP
Marcello Guimarães Simões

==> Foto: Scientific Reports

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